Em 2012, em uma conversa informal, Nathercia confidenciou às amigas-pesquisadoras que guardava cartas escritas por Paulo Freire, primo-irmão de sua mãe. A troca de correspondências aconteceu durante os tempos de exílio no Chile, quando ela tinha 9 anos. Juntas, as três pensaram em tornar pública essa experiência.
Incentivada a pensar nos ecos das palavras deixadas em sua vida pelo primo Paulo e nutrindo-se com fotografias, registros feitos por familiares, entre outros documentos, Nathercia atravessa as lembranças e passa a conversar intimamente com Nathercinha, como era chamada por Paulo, a menina que cuidou em não esquecer.
Madalena Freire, filha de Paulo, foi convidada a compartilhar lembranças e a trazer seu olhar sobre possíveis significados dessa correspondência. O processo de criação do livro surge desse encontro entre amigas e primas em uma viagem no tempo.
Em 2015, Laura Van Boekel, editora literária da ZIT, encantou-se com a proposta e sugeriu o nome de Bruna Assis Brasil para ilustrar o livro.
O livro, lançado no dia 2 de julho de 2016, é convite para uma aventura por tempos e lugares. Uma crônica que traz à tona o olhar de uma criança para um momento sombrio do país, para a cidade do Rio de Janeiro, em especial, para o bairro da Urca onde ficava a alegre cada da avó, sempre cheia de parentes e amigos. É também o testemunho sobre a importância da delicadeza e da ternura cultivadas por adultos que souberam manter vivo o diálogo entre as gerações.
Trechos das cartas escritas por Paulo Freire para Nathercinha
Em uma das seis cartas, escrita em 1967, de Santiago – Chile, Paulo lança uma pergunta: “Se os homens grandes e as pessoas grandes pudessem ou quisessem rir como as roseiras, como as crianças, não lhe parece que o mundo seria uma coisa linda?”
Com letra caprichada, escreve em uma das cartas endereçadas para Nathercinha e sua irmã Edith: “Continuo trabalhando muito e estudando também. Vocês vão ver que a gente nunca para de estudar. Há sempre muita coisa para a gente aprender, mas a vida não pode ser só estudo. A gente também precisa brincar. Até quando a gente já está grande, como mamãe, papai, como eu que já estou ficando de barba branca, a gente precisa brincar. Só que o brinquedo da gente grande às vezes já não é igual ao dos meninos. E também tem gente grande que fica zangada quando os meninos querem brincar. Essa gente grande se esqueceu de quando era menino. Brincando a gente aprende muito, mas é preciso também estudar seriamente. O jeito que tem é equilibrar o brinquedo com o estudo. Espero que vocês façam sempre assim”.